segunda-feira, fevereiro 26, 2007

O remédio que faz mal ao paciente


Estive em Barcelona acompanhando a 3GSM World, maior exposição de tecnologia celular no mundo, e presenciei os presidentes de grandes gravadoras, como EMI e Warner, defendendo o direito do cliente de músicas digitais (baixadas pela Internet ou por aparelhos celulares) de perceberem uma experiência à altura de suas expectativas. Essa preocupação faz todo o sentido, pois apesar de serem os principais representantes de uma indústria que recua 5% ao ano, já perceberam que a saída para esse mercado está na distribuição digital, que já representa dez por cento do faturamento, ou seja 2 bilhões de dólares por ano. E como fomentar um canal de distribuição de conteúdo como a Internet, se a experiência do cliente não é boa quando utiliza esse canal? Quando compramos músicas através de canais digitais acabamos pagando o equivalente ao que pagaríamos se comprássemos um CD nas lojas convencionais, o que parece não fazer sentido, pois o canal de distribuição digital possui preço muito mais baixo, também não existem as preocupações com logística e distribuição, o que deveria estar refletido em preços mais acessíveis. Também temos que lembrar da facilidade de aquisição, ouvi do próprio presidente da Warner, que o objetivo de sua empresa é que o cliente possa adquirir suas músicas com no máximo 3 “clickes” no computador ou no seu celular, ou seja os menus precisam ser mais amigáveis e em menor quantidade, o que valorizaria a experiência do cliente. E por fim, o que considero de maior impacto, que são os direitos autorais e as ferramentas que se utiliza para garanti-los, as chamadas DRM (Digital Right Management ou gerenciamento de direitos autorais). É aqui que identifico que possa estar havendo algum tipo de excesso de preocupação contra pirataria em detrimento do prazer e direitos do consumidor. Steve Jobs, fundador da Apple, escreveu um artigo que publicou no site da empresa recentemente, onde se coloca favorável a um controle de direitos autorais mais amigável, ou mesmo que isso seja substituído por uma forma de repasse equivalente ao que ocorre nas rádios, onde é arrecadado um valor percentual que é repassado aos autores e gravadores, de acordo com a freqüência de exibição de suas músicas. Por outro lado, o que vemos atualmente, é que pagamos caro pela aquisição digital, o processo de compra é complicado, pois temos que vencer inúmeras etapas nos sistemas disponíveis e além do mais, ao recebermos a música, somente podemos ouvi-la naquele dispositivo em que a instalamos (Ipod, tocador de MP3, celular ou computador), o que não acontece quando compramos um CD e o tocamos onde bem entendermos. Me parece que a dose do remédio pode colocar em risco a vida do paciente...

2 comentários:

Unknown disse...

Eduardo, pensando do ponto de vista dos negócios, a avaliação é correta. Porém, há uma coisa que me parece que vem escapando à análise, que é a visão do impacto social do DRM. O remédio não faz mal somente ao paciente... mas a toda sociedade, direta e indiretamente. Veja a história de conceitos como patentes e copyrights; em ambos os casos, se trata de um monopólio concedido pelo Estado (ou poder público) para estimular a produção de idéias, de capital intelectual. A chave para o processo é entender que isso é feito em benefício público, para estimular o progresso e o crescimento econômico. A partir do momento em que o copyright e as patentes começam a ser usados exclusivamente para proteger interesses particulares, eles perdem o seu sentido mais amplo, e até mesmo a sua legitimidade. Isso já está ocorrendo; as restrições excessivas prejudicam o livre fluxo das idéias, prejudicam o surgimento de inovações tecnológicas, prejudicam a criação de novos serviços. Não estou falando de pirataria... estou falando de um cenário em que a tecnologia poderia suportar novos modelos de negócio, multiplicando idéias com uma velocidade muito maior. Porém, a obsessão de um segmento específico da indústria impacta todo o desenvolvimento de um outro setor, com potencial muito mais abrangente.

Veja bem: se dependesse da indústria da mídia, não teríamos máquinas de xerox, e muito menos gravadores de vídeo de qualquer tipo (fita, CD, DVD). Todos estes itens podem ser usados para piratear conteúdo, mas tem um valor muito maior quando usados de outras formas. Gravamos vídeos para uso pessoal ou para aplicações de segurança. Tiramos cópias xerox para qualquer procedimento administrativo ou burocrático (aliás tiramos até demais). Porém, o fato de que eles podem ser usados potencialmente para um uso ilegal - pirataria - não impede que sejam usados legalmente. No fim das contas, o que se consegue com todo arcabouço legal pretendido para a proteção de conteúdo com DRM é restringir a evolução natural do mercado, o que com certeza não é o princípio por detrás da idéia da propriedade intelectual.

Edu@rdo Rabboni disse...

Obrigado pelo comentário Carlos. Concordo com você que há que se fazer análise mais abrangente com relação ao DRM, até porque o tema é complexo e difícil de ser totalmente coberto. Como você dis, a tecnologia hoje existe hoje para suportar um modelo mais adequado de transmissão de conhecimento e de idéias, não tenho a menor dúvida a esse respeito, em que pese o esforço contrário que boa parte da indústria de conteúdo vem fazendo, no sentido de segurar as margens e por vezes restringir o acesso ao conteúdo. Mas mesmo assim vemos atitudes positivas, como a do CEO da Warner (Sr. Edgar Bronfman Jr.) que em Barcelona apenas abordou em seu discurso itens relativos a experiência do usuário (como usabilidade, facilidade em acessar o conteúdo, preço pago pelo conteúdo, etc, sem se ater uma única vez ao tema pirataria ou mesmo DRM). Parece que vemos algumas luzes no final do túnel, pode ser uma saída ou um trem vindo em sentido contrário....o futuro dirá, mas na minha opinião o cenário é otimista.
Abraços